sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Quem sou eu?

Vejo-me envolta numa infinidade de pensamentos sempre que me questiono desta forma.
O que sou?... Sei o que sou? Será que sei?
Se sou algo... serei o quê?
Sou ar, sou vento e mar.. Sou fonte, sou natureza, sou concreta de uma forma abstracta.
Sou um pouco de estrela, sou céu, sou noite e dia...
Sou pássaro sem asas, sou fraqueza fortalecida, sou arte indefinida...
Sou cor, sou luz, sou lágrima desbotoando o sorriso...
Sou recordação perdida na memória... sou tu, sou eu, sou o mundo. Sou vida incerta e morte certa.
Sou o que quero e o que não quero ser. Sou irreal na realidade do mundo cruel. Sou sonho, desejo, ternura... Sou dor e mágoa... Uma perfeita imperfeição...
Sei... sou um pedacinho de tudo..talvez seja tudo...ou nada...ou quase tudo....ou quase nada....
Sou... vida!

Ana Rocha, nº4 12º B

Vida

Acordo de manhã,
nada mudou:
a minha mente está sã,
ainda ninguém para a realidade acordou.

Fui criança,
olho agora em volta,
mantenho a esperança
de pertencer à revolta.

Vou crescendo,
com única preocupação
de ser feliz com sensação.

Vou aprendendo,
que a felicidade está em correr
atrás daquilo em que queremos crer.

Gustavo Silva, nº12 do 12ºB

Onde está o amor?

Onde está o amor,
se tudo o que sinto é tristeza,
se tudo o que vejo é frieza,
se tudo o que existe é rancor.

Se tudo o que sinto é solidão,
se tudo o que vejo é hipocrisia,
se tudo o que existe é economia,
se tudo isto é podridão.

Se sou apenas eu,
se sonhei ser algo mais,
se não posso chamar a um mundo de meu...

Mas como não existem mundos tais,
neste mundo decadente seu
não vejo mais o amor entre filhos e pais.

Gustavo Silva, nº12 do 12ºB

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Nem nenúfares de Loulé...

Nem nenúfares de Loulé, nem papoilas viradas ao sol.
(Nem nenúfares de Monet, nem papoilas de Warhol.)

Trabalho colectivo realizado por uma turma exemplar (8º A) no ano lectivo 2007/08 em Atelier de Artes.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A Poesia é oralidade. É preciso dizê-la, dizê-la de todas as maneiras…

Ao ler o poema “Viagem” perante a turma, senti, de início, nervosismo e dúvida, pois não sabia como dizê-lo em voz alta, perante todos os colegas, enquanto andava pela sala. Este tipo de leitura nunca o tinha feito, mas gostei.
O texto é bastante bonito e refere-se a uma “viagem” que é a vida. Ao lê-lo, interpretei-o e exprimi-o da minha maneira, com o meu ritmo, a minha entoação. Uma das melhores coisas foi ter essa liberdade de mostrar aos outros como encaro e “vejo” o poema.
Além disso, lendo, tive a sensação de que estava a contar como me preparei e vivia a minha própria aventura, a minha vida!

Daniela Ferreira Garcia Rodrigues, Nº7 - 10ºD

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O dia em que as galinhas voarem

As galinhas não voam. Assustadoramente vemo-las esvoaçar as suas pequenas asitas de modo frenético, enquanto caminham de um lado para o outro, cacarejando sem parar. Farão elas ideia do absurdo? Faremos nós?
O desespero de pular a cerca afecta-nos a todos. Todos nós queremos empoleirar-nos de uma janela altíssima, um dia. Todos nós o desejamos! É da nossa tentativa falhada de voar que saem os corações partidos e novas experiências que nem sempre são o que nós desejamos. Mas, e as galinhas? Elas desistem? Todos os dias cacarejam como que num uivo de desespero enquanto fazemos chacota delas.
Elas nunca conseguiram voar, mas talvez um dia lhes seja possível.
E nesse dia os porcos cantarão para os anjos.

Diana Amaral 11ºB nº10

domingo, 19 de outubro de 2008

Herberto Helder (Resumo biográfico e alguns poemas)


Biografia

Herberto Helder Luís Bernandes Oliveira nasceu a 23 de Novembro de 1930 no Funchal, ilha da Madeira. Com 16 anos viaja para Lisboa e em 1948 matricula-se na Faculdade de Direito de Coimbra e em 1949, muda-se para a Faculdade de Letras onde frequenta durante três anos, o curso de Filologia, embora não o tenha terminado. Três anos mais tarde regressa a Lisboa, onde começa a trabalhar.
Em 1954, publica o seu primeiro poema em Coimbra. Quatro anos mais tarde publica o seu primeiro livro, O amor em Visita. Nos anos seguintes vive em França, Holanda e Bélgica, onde exerce profissões pobres e marginais como criado numa cervejaria, cortador de legumes numa casa de sopas, empacotador de aparas de papéis, entre outros. No entanto, regressa a Portugal em 1960 e torna-se encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. Nos dois anos seguintes publica os livros
A Colher na Boca, Poemacto e Lugar. Em 1963 começa a trabalhar para a Emissora Nacional como redactor de noticiário internacional. Ainda nesse mesmo ano publica Os Passos em Volta e produz A máquina de emaranhar paisagens. Em 1964 trabalha nos serviços mecanográficos de uma fábrica de louça, datando desse ano a sua participação na organização da revista Poesia Experimental. Nesse ano reedita ainda Os Passos em Volta, escreve Comunicação Académica e publica Electronicolírica. Em 1966 participa na co-organização do segundo número da revista Poesia Experimental e no ano seguinte publica Húmus, Retrato em Movimento e Ofício Cantante. Em 1968 a sua participação na publicação de um livro sobre o Marquês de Sade, leva-o a ser envolvido num processo judicial no qual foi condenado. Consegue obter suspensão de pena, porém não conseguiu evitar ser despedido da Rádio e da Televisão portuguesas. Refugia-se na publicidade e, posteriormente, numa editora onde desempenha o cargo de co-gerente e director literário. Ainda nesse ano publica os livros Apresentação do Rosto, que foi suspenso pela censura, O Bebedor Nocturno, Kodak e Cinco Canções Lacunares.
Em 1970 viaja por Espanha, França, Bélgica, Holanda e Dinamarca, publicando a terceira edição de Os Passos em Volta e escreve Os Brancos Arquipélagos. Em 1971 desloca-se para Angola onde trabalha como redactor numa revista. Enquanto repórter de guerra é vítima de um grave desastre tendo que ser hospitalizado durante três meses. Data ainda desse ano a publicação de Vocação Animal e a produção de Antropofagias. Regressa a Lisboa e parte de novo, desta vez para os E.U.A., em 1973, ano durante o qual publica Poesia Toda, obra que contém toda a sua produção poética, e faz uma tentativa frustrada de publicar Prosa Toda. Em 1976, participou na edição e organização da revista Nova. Nos anos que se seguiram publicou as obras
Cobra, O Corpo, O Luxo, A Obra e Photomaton e Vox. Apesar do poeta ter abandonado as suas anteriores actividades e ter vivido no anonimato durante muito tempo, publicou recentemente uma obra intitulada de A Faca não Corta o Fogo -- súmula & inédita.
Porém, apesar de todas estas obras e sucessos é um escritor que se afasta das luzes da ribalta recusando prémios e dando pouquíssimas entrevistas.


Alguns poemas:

SE HOUVESSE DEGRAUS NA TERRA...

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

O AMOR EM VISITA

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.

Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.

E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.

- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.

Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.

Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

FONTE - I


Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo ---
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.

Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.

Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.

Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.

Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.

Herberto Helder

Enviado por: Sílvia Oliveira 11ºA Nº25


quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Entrevista dada pelo Presidente do Conselho Executivo, Dr. Jorge Ferreira, ao Presidente da Associação de Estudantes, Vitor Monteiro, aluno do 12ºE

Vitor Monteiro, num dia em que se encontrava muito bem humorado.

Como a despedida do Director da nossa mui nobre Escola se aproxima, decidimos ouvir as suas lamúrias sobre os anos que aqui viveu.

_ O que significa Jorge para si?
_ Apenas um som que automaticamente (reflexo condicionado) me impulsiona a orientar-me na direcção da sua origem ou, quando redijo algum documento, a marca de autoria.

_ E Jorginho?
_ Bom, aí a situação é diferente porque normalmente quem usa essa forma de comunicação está a incluir uma carga afectiva que resulta de um relacionamento mais próximo, ou seja, é uma forma de tratamento quase exclusiva de amigos. E eu gosto.

_ Quais são as maiores virtudes dos alunos da «melhor Escola do país?
_ As virtudes maiores são várias e dependem também do próprio aluno, mas porque são jovens manifestam na sua vivência empenho, frontalidade, honestidade, verdade, alegria, inocência, enfim, são muito, muito curtidos.

_ E os maiores defeitos?
_ Não lhes consigo identificar defeitos, apenas algumas anomalias de funcionamento, ou seja, deixam-se manipular e perdem por vezes a identidade, enfim, «PERDEM O NORTE» e, tal como a bússola, ficam «doidos».

_ Em quais destas características se reconhece?
_ Em todas, só que hoje doseio mais quer as virtudes quer os defeitos. (Nota: às vezes também me «passo»).

_ Se hoje fosse aluno desta Escola, o que é que o preocupava?
_ Sem qualquer rigor na resposta, era possível que as minhas preocupações oscilassem entre as miúdas e o acesso ao Superior ou, então, entre o acesso ao Superior e as miúdas.

_ E, como Director, o que o preocupa?
_ Procuro que a Escola marque os alunos, quer pela formação académica que os projecte no futuro, quer pela formação cívica que os torne cidadãos competentes.

_ Há algum episódio ou acontecimento que o tenha marcado pessoal ou profissionalmente enquanto Director desta Escola?
_ Há um célebre processo disciplinar que me marcou profissionalmente (pela negativa) e pessoalmente (pela positiva). Mas já foi há muito, muito tempo, e não gosto de rever. (E um momento trágico vivido na cozinha desta Escola.)

_ Se tivesse de fazer um shot (sabe o que é?), quais os ingredientes que utilizava?
_ Sei, caraças!
Misturava: ½ cálice de vinho do porto colheita 1974.
1 cálice de vinho do porto colheita 1997.
1 cálice de vinho do porto colheita 2000.

Isto seria igual a:
2,5 cálices de vinho do porto com aproximadamente 20 anos.

_Onde foi a sua viagem de finalistas?

_ Não havia nesse tempo.

_ Tem algum segredo que guarde desde essa altura?
_ Tenho. X14.

_ No ano que passou, inaugurámos a nova Biblioteca. Qual a sua opinião sobre os hábitos de leitura dos alunos da nossa Escola?
_ Não tenho qualquer dúvida de que a nova (novíssima) Biblioteca atraiu e cativou mais alunos para a leitura. No entanto, o trabalho de sensibilização e habituação à prática da leitura começa todos os anos em Setembro.

_ Sabe se existe alguma secção dedicada à sexologia ou qualquer tipo de material de apoio à educação sexual?
_ Existem livros sobre o tema, até porque todos os anos se tem desenvolvido um projecto para a educação sexual com resultados visíveis e positivos.

_ Já leu algum livro de poesia erótica?

_ Já. O primeiro que li foi do Bocage. No entanto, o de que mais gostei foi uma antologia de poesia latina erótica e satírica.

_ Qual é para si a secção mais interessante da Biblioteca?
_ A secção de cinema pela qualidade dos filmes que passa.

_ Acha que Almeida Garrett se iria sentir orgulhoso pela sua Biblioteca novíssima?
_ Não tenho qualquer dúvida de que sim.

_ Internet ou livro?
_ Livro.

_ Futebol ou rancho folclórico?
_ Foot.

_ Ministra da Educação ou professores?
_ Profs.

_ Aulas de substituição ou aulas de recreação?

_ Só aulas.

_ Mc Donalds ou cozido à portuguesa?
_ (KUZIDU) Cozido à portuguesa.

_ O que achou da derrota do FCP na final da Taça de Portugal?
_ Achei bem mas não concordo, isto é, concordo mas não achei bem.

_ Onde idealiza estar daqui a cinco anos?
_ Provavelmente num recanto deste meu país, com tempo para mim.

_ Qual a melhor recordação que leva desta Escola?
_ As anedotas, os convívios, os relacionamentos são o meu património de lembranças.

_ Se fosse presidente da Associação de Estudantes, quais seriam as suas primeira e última medidas?
_ Não me estou a ver nesse cargo, mas a primeira não sei. A última era, sem dúvida, uma grande despedida.

_ Se fosse «rei», com que cognome se intitulava?
_ «Bem disposto».


_ Quer deixar uma última (?) mensagem aos alunos da nossa Escola?
_ Não se acomodem. Façam por ser felizes, enfim, sejam desPortistas.

Entrevista feita por:
Vitor Monteiro, aluno do 12ºE (Presidente da Associação de Estudantes no ano lectivo de 2007/2008)

sábado, 11 de outubro de 2008

O primeiro impacto

Tinha acabado de chegar. Na cabeça trazia, ainda, o ruído do motor da camioneta que ao longo de muitos quilómetros me viera a martelar os ouvidos. O calor era abrasador e a cidade de Évora, para mim desconhecida, entrava-me ostensivamente pelo olhar, com a sua alva e histórica arquitectura, à medida que ia caminhando pela calçada acima (feita de pedra irregular, gasta e polida pelo tempo) na direcção do centro. Era professor provisório e tinha acabado de viajar desde Vila Nova de Gaia a fim de me apresentar na Escola Secundária Gabriel Pereira, onde iria, ao longo dos dois anos seguintes, realizar a “Profissionalização em Exercício”, que seria o ponto de partida para a minha estabilidade profissional a curto prazo. Pelo menos era nisso que acreditava e, por essa estabilidade, me tinha sujeitado a viajar para esta região do Alentejo, onde iria trabalhar e viver durante dois anos seguidos. Durante a viagem, após longas horas, já em pleno coração alentejano, assaltaram-me ao pensamento várias reflexões e interrogações a que só o tempo poderia vir a dar resposta. A paisagem árida e seca desta região levou-me a questionar, por exemplo, a teoria da criação, segundo a qual Deus criou o mundo durante seis dias e descansou ao sétimo. Não podia estar mais em desacordo com tal teoria de cada vez que observava a paisagem árida e seca da planície, que se estendia até perder de vista. Parecia-me mais coerente que Deus tivesse criado o mundo durante seis dias e ao sétimo, já cansado e com falta de ideias, tivesse criado o Alentejo. Só assim eu poderia compreender que houvesse tanta imperfeição em tudo o que via diante dos meus olhos. As árvores muito espaçadas e atarracadas, o terreno agreste, ondulado e despojado de belezas naturais. A abraçar todo este cenário havia um céu de um azul tão intenso e brilhante que até incomodava.
Caminhava, agora, ao longo da Praça do Geraldo, protegido, pelas arcadas, do sol escaldante que se fazia sentir. Precisava de fumar. Deitei a mão ao bolso, mas depressa me lembrei que tinha fumado o último cigarro em Coimbra, durante uma breve paragem no percurso. – Onde se poderá comprar tabaco nesta terra?... Perguntava eu a mim próprio à medida que ia caminhando, transportando uma pesada mala de viagem. Era Domingo e, por esse motivo, não se encontravam estabelecimentos comerciais abertos. Só precisava de encontrar um café, mas nem isso parecia existir nesta cidade que me era tão estranha. O primeiro café que surge no meu trajecto, o café “Arcada”, estava fechado, não por ser Domingo mas por ter sido encerrado há quase um ano. Decidi, então, perguntar a um velho que passava se havia por ali perto um café que estivesse aberto. Informou-me que na direcção em que eu seguia iria encontrar, 500 m à frente, o café “Portugal”. Esta informação acalmou a minha ansiedade. Apressei o passo e 3 minutos depois lá encontrei finalmente um café aberto, o tal café “Portugal”, uma preciosidade da arquitectura de outros tempos. A julgar pela fachada seria, tal como o café “Arcada”, um café centenário por onde já teriam passado as últimas gerações da cidade. Apressei-me na direcção do balcão, pousei a mala e, sem apreciar os detalhes da belíssima arquitectura interior, pedi ao primeiro empregado que encontrei:
– Por favor , dê-me um “SG Ventil”!...
– Ná temos “SG Ventil”, respondeu-me o empregado, de forma seca, sem me olhar de frente e numa pronúncia que para mim nada tinha de familiar.
– Pode ser, então, um “SG Filtro”, disse-lhe eu na expectativa de ser atendido.
– Ná temos “SG Filtro”.
– Então dê-me um Ritz, por favor! Pedi, já um pouco impaciente
– Ná temos “Ritz”, respondeu no mesmo estilo.
– Então que marca de tabaco têm? Perguntei, estranhando a sequência de respostas negativas.
– Ná temos tabaco, amigo! E ao dizer isto olhava-me agora nos olhos com a convicção de quem me tinha acabado de esclarecer de forma definitiva.
Naquele momento fiquei bloqueado por um curto instante, que me pareceu uma eternidade e, sem ter sido capaz de ter tido qualquer reacção, saí apressado como quem tinha acabado de ter um encontro indesejado. Lembro-me de ainda lhe ter dito um “obrigado” que balbuciei instintivamente. Minutos depois, continuando o meu trajecto na procura de outro café, interrogava-me se aquele empregado teria estado a gozar com a minha cara ou se a forma como me atendeu fazia parte da sua própria maneira de ser. A verificar-se esta última hipótese teria que começar a admitir que era muito estranha a forma de ser dos alentejanos. Que era um povo pouco simpático, nos primeiros contactos, para quem chega de fora, já me tinha constado. Agora que, para além disso, manifestasse comportamentos deste estilo, e que poderiam ser até interpretados da pior maneira, era algo que me baralhava e que eu precisava de decifrar nos próximos tempos. Por fim lá encontrei uma taberna, num lugar chamado “jardim das Canas”, mesmo em frente ao Teatro Garcia de Resende, onde pude finalmente comprar tabaco.
Agora sentado num banco do jardim, com a pesada mala ao meu lado, a fumar calmamente aquele cigarro que já há muito tempo desejava, dava conta de quanto tudo era estranho para mim naquela cidade. Não sabia o que me iria ainda esperar nessa tarde de Setembro que ainda ia a meio, a única coisa que sabia é que teria que ir procurar o nº 22 da Rua de Aviz, onde iria ficar hospedado, numa casa particular da qual me tinham dado muito boas referências.

Albino Dias

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Sem Título

“E a noite lá fora, com os seus perfumes misturados, com os seus murmúrios e silêncios e as suas sombras e brilhos, parecia o rosto de uma promessa.”
in “Praia” de Sophia de Mello Breyner Andresen

Entreguei-me a todos os sentimentos que envolviam aquela noite e deixei-me levar pela brisa suave do mar. Na areia molhada ia caminhando e deixando o rasto de leves pegadas.
Parei e olhei para trás. Já só restavam algumas. Em pouco tempo eram levadas pelo mar e desapareciam gradualmente sem deixar uma única marca. As lágrimas escorreram-me pela face. Eu própria estava a desaparecer. Eu própria estava a tornar-me fraca de uma maneira ainda mais rápida do que cada pegada. E eu não percebia por que é que tudo tinha de ser assim.
Sentei-me na areia molhada e deixei que o mar me abraçasse. Inalei o perfume da brisa, e deixei que a música das ondas me envolvesse naquela noite.
A minha vida valia mais do que isso. Valia mais que todas as pegadas que tinha deixado ali. Valia muito mais que aquela noite. Fechei os olhos e deixei-me entrar na maresia envolvente, deixei-me entrar em cada perfume, em cada murmúrio, em cada silêncio, em cada sombra e em cada brilho. A promessa tinha de ser cumprida!

Carolina Coimbra
Nº21, 11ºD

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O dia em que o Farruco morreu

Farruco era um gatinho preto com uma orelha branca e uma mancha da mesma cor que se lhe estendia ao longo do dorso. Esta descaía-lhe para o lado direito como que a fazer contrapeso com a outra que, além de lhe ocupar toda a face esquerda, fazia com que a orelha desse lado parecesse maior e mais atenta.
Aparecera lá em casa trazido por um dos meus seis irmãos que tinha por animais abandonados uma incompreensível atitude de protecção, desinteressando-se, depois, por criar com eles qualquer relação de afecto, e até mesmo demitindo-se de participar na prestação dos cuidados que tais aquisições implicavam. Levava para casa tudo quanto fosse cão e gato que encontrasse abandonado e depois esperava passivamente que fossem os irmãos a cuidar deles. Além disso, indignava-se claramente quando não via nas pessoas que o rodeavam essa atitude de protecção e amor pelos animais ditos doméstico, que ele acreditava existirem unicamente como sendo um prolongamento daquilo que de animal irracional há em cada um de nós, fazendo sobressair tudo quanto nos caracteriza como seres superiores e, verdadeiramente, nos distingue dessas criaturas.
Os meus pais, habituados que foram à presença de animais domésticos, devido à sua ascendência rural, pouco se importavam com as frequentes aparições de cães e gatos, lá por casa, desde que isso não viesse alterar muito a ordem familiar estabelecida. Na altura, tinha eu dez anos de idade e era o segundo de sete irmãos, fazendo uma diferença de três anos do primeiro, ou seja, do mesmo que foi responsável pelo aparecimento do Farruco. Todos os outros eram mais novos, havendo apenas um ano de diferença entra cada um.
Tinha eu acabado de chegar da escola quando vejo o meu irmão mais velho com um gatinho preto, de aspecto remelado, ar bastante assustado e a querer trepar-lhe pelo braço direito acima.
- Olha este gatinho que encontrei, perdido da mãe, a sair de um silvado, ali na “quelha da paninha”. Disse ele, esperando ver em mim uma inabalável reacção positiva e favorável ao acolhimento desta ternura de animal, que parecia mais assustado do que uma presa na presença do seu predador, pressentindo um final breve e terrível para a sua existência.
- Temos que lhe dar um nome!... Exclamei, ao mesmo tempo que procurava na sua frágil fisionomia algo que me inspirasse na procura da palavra que servisse para o baptizar e lhe assentasse tão bem como a mim um pijama que tinha recebido de prenda de anos algum tempo antes. Lembrei-me então de uma vizinha que em tempos teve um gato chamado Farruco que desapareceu num dia frio de Janeiro depois de ter andado a arrastar a asa a uma fêmea vadia que deambulava pelo quarteirão e que a partir daí, tal como o Farruco, ninguém mais lhe pôs a vista em cima.
Na minha inocência de criança sabia muito pouco acerca da sexualidade em geral e da dos gatos em particular. Sabia apenas, por ouvir dizer, que o mês de Janeiro era o mês dos gatos e que eles saíam de casa para procurarem parceira. De modo que, nem sequer me passou pela cabeça, como hoje admito, que aquele bichano pudesse até ter sido uma consequência e o produto final do desaparecimento do gato da vizinha e da tal gata vadia.
- Podíamos chamar-lhe Farruco. Acrescentei eu com a mesma felicidade de quem acaba de ter uma ideia brilhante ou de fazer uma descoberta de grande vulto.
- Boa!... Vai chamar-se Farruco. Vai ter o mesmo nome que tinha o gato da Dona Fulgência. Concluiu o meu irmão numa das raras ocasiões em que esteve de acordo comigo em toda a sua vida. E assim passou a chamar-se Farruco, tendo este nome colhido ainda a aprovação do resto da comunidade familiar.
- Já tem nome, agora vamos dar-lhe um banho. Acrescentou.
De repente senti um arrepio que me atravessou de cima a baixo. Saltou-me à memória aquela ocasião em que fiquei todo arranhado pelas unhas afiadas de um gato que tivemos e que morreu por ter sido atropelado por uma motorizada. Um certo dia, ao tentar dar-lhe banho, deixou-me no braço direito uma herança que se me grudou na pele, para sempre, como uma tatuagem patriótica feita durante a guerra do Ultramar. Achei por isso mais prudente sugerir que lhe déssemos banho com um pano húmido, não fosse o bicho ter uma dessas investidas que tivesse como resultado uma segunda edição desse momento trágico de que fui vítima e acabo de descrever. Assim fizemos e lá ficou com melhor aspecto, embora de pêlo menos volumoso pela humidade que, após sucessivas esfregadelas, acabou por adquirir.
Não foi nada fácil a adaptação do bichano Farruco no seio desta comunidade de humanos de nove pessoas. Inicialmente, sempre que o colocávamos no chão, escondia-se de imediato debaixo dos móveis, recusando-se a sair, só acedendo a esse propósito quando via aproximar-se dele o cabo de uma vassoura que, em último caso, aparecia para lhe dar uma ajudinha. Ao fim de uma semana começava a familiarizar-se com os cantos da casa, a aprender a conviver com os apertões que os meus irmãos mais novos lhe davam e a brincar com tudo o que mexesse e lhe aparecesse pela frente. Começava também a procurar o caixote onde lhe explicamos, por várias vezes, com uma palmada, que deveria fazer as suas necessidades fisiológicas. À medida que se tornou sociável e desinibido começou também a ter hábitos alimentares pouco vulgares para um felino. Recordo-me, por exemplo, de dar com ele a comer azeitonas deixando apenas os caroços, ficando estes tão limpos como se tivessem sido esfregados com um esfregão de palha-de-aço. Após se deliciar com tão preferido petisco, utilizava os caroços das azeitonas para jogar à bola, deixando-os depois espalhados por toda a casa. Outro alimento predilecto, que estranhamente fazia parte dos seus hábitos gastronómicos, era rodelas de tomate que a minha mãe lhe dava de cada vez que preparava uma salada para o almoço. Quando ela se preparava para cortar tomate era vê-lo a roçar-se-lhe em torno das pernas, só parando quando via cair-lhe no prato uma suculenta rodela deste legume, que começava por lamber antes de trincar. Fora estes estranhos hábitos, comia tudo aquilo de que um normal gato gostava.
Aos poucos foi também tomando certas liberdades. De todas elas, a que mais se atrevia, e que acabou por determinar a sua curta existência, era apanhar-nos a dormir, saltar-nos para a cama, furar por entre os lençóis e enroscar-se muito chegadinho a nós enquanto dormíamos.
Começava a criar com o bichano Farruco um afecto que até aí não tinha conseguido ter por animal nenhum, e ele sentia-o, retribuindo com um rosnar de felicidade que só estes animais conseguem transmitir. Sempre que me sentava a ver televisão lá vinha ele com a sua cauda entesada roçar-se-me à ilharga, olhando-me cabisbaixo, ficando depois à espera de ver a minha mão estender-se na sua direcção com o intuito de lhe fazer uma carícia. E aí ficava, acomodando-se muito quietinho com o seu rosnar terno e agradecido. Quando me portava mal e a minha mãe me castigava, abraçava-me a ele a chorar e sentia que naquele momento só ele se compadecia do meu infortúnio. Falávamos um com o outro apenas com o olhar de criança que ambos éramos e isso nos bastava. Tudo o resto, à minha volta, se traduzia em vivências hostis, pois havia entre mim e os meus irmãos formas de relacionamento bastante conflituosas, acabando eu por ser o bombo da festa nas quezílias entre nós e nas quais a minha mãe acabava por intervir em meu desfavor. Tinha, por isso, o Farruco como o meu maior e melhor amigo. Ele não me contrariava, não me chamava nomes, não me batia e estava sempre ali receptivo a um desabafo meu, ou pronto a transmitir-me amizade quando tudo parecia ruir-me em cima. Esta relação bonita e desinteressada transformou-se na recordação mais grata e viva que tenho dos meus tempos de criança. Talvez parte da dimensão de afectos que hoje constitui os traços da minha personalidade tenha nascido dessa vivência remota e marcante da minha infância.
Um dia, acabando de acordar, senti por baixo de mim uma coisa dura que de imediato associei a um dos meus brinquedos favoritos com que costumava adormecer, julgando tratar-se, portanto, de uma peça de "legos" com que habitualmente costumava brincar. Quando me levantei não queria acreditar no que estava ver. Não!... Não podia ser!... O que eu estava a ver ali era o Farruco espalmado como uma tábua que tinha acabado de sair de uma prensa. Passei dias a tentar perceber como foi possível que o meu melhor amigo me deixasse desta maneira, culpando-me ao mesmo tempo por o ter cilindrado sem ter dado conta e sem que ele tivesse qualquer hipótese de o impedir. Hoje não sou capaz de quantificar o quanto me marcou essa passagem da minha vida. No entanto, de uma coisa tenho a certeza! O dia em que perdi o melhor amigo da minha infância foi o dia em que o Farruco morreu.

Albino Dias

Músicos de Rua

Era uma longa tarde de verão. Longa como todas as outras. Mais uma vez não sabíamos o que fazer. Por fim decidimos ir até à Baixa do Porto.
Em Santa Catarina, era um turbilhão de pessoas a subir e a descer a rua. Na esplanada do velho Majestic, esperavam-nos duas ou três cadeiras. Havia um grupo variado de clientes: novos, velhos, estrangeiros, mas todos bem dispostos e animados. De repente, ouviu-se um som que sobressaiu no meio de todo aquele tumulto. Reparei que em frente estavam dois homens de cabelo comprido e desalinhado, calças de couro justas e t-shirt preta. Entre dois cães rafeiros e de lenço vermelho ao pescoço, estava um chapéu pouco recheado de moedas. Eles tocavam sem parar, e as guitarras, já desafinadas de tanto gasto, mal disfarçavam a voz rouca. Pareciam despertar o interesse de algumas pessoas.
“Eram músicos falhados: sem grande arte, com pouco dinheiro e sem fama.”, diria Sophia.


Tiago Freitas, 11ºD, nº27

“Andando, escrevendo, sonho e ando, sonho e falo, sonho e escrevo.”

Como Garrett, andando, partimos para uma nova aventura, talvez a mesma… Somos a equipa que procura dar continuidade ao Vi@gens: Albino Dias, António Pinto, Maria Ângela Sobral, Maria Teresa Coelho e Mauridina Figueiredo. Apelando ao “sonho”, abrimos a página à criatividade de todos, escrevendo e dando ao nosso Jornal a projecção que a Escola, enquanto instituição, já conquistou. Ao José Maria Costa, que nos acompanhou desde sempre e, enquanto jornalista, nos ensinou a arte, e ao António Silva, a quem devemos a dinamização e coordenação do Vi@gens na sua versão electrónica, os nossos agradecimentos. Mas continuamos a contar com a sua colaboração.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

até já


Chega ao fim a minha participação no VIAGENS. Melhor dito: deixando de exercer funções na ESAG, deixo igualmente a administração do blogue.

A continuidade deste projecto será assegurada pela equipa do jornal escolar e, seguramente, por quem, como eu agora, está fora, mas continua a manter uma ligação à ESAG. Continuarei, portanto, a visitar o VIAGENS e a poder participar.

Renovo, assim, o convite para semear futuro que aqui deixei em 12 de Junho.
Esta é uma forma de dar continuidade a um projecto dirigido à comunidade escolar mas também ao mundo (afinal estamos na rede!). É fácil, acessível, imediato, interactivo...

Este endereço de e-mail - jornalesag@gmail.com - pode ser utilizado para comunicar e para enviar material para publicação (fotos, textos, desenhos, notícias), dar sugestões, fazer críticas, etc.

Porque, ao longo deste período, nunca foi publicado um texto de Almeida Garrett, aqui deixo um, entre muitos e muitos possíveis, sabendo que o blogue vai continuar a voar...

para os que, por qualquer motivo, me quiserem contactar aqui deixo o meu e-mail: afsilva@ese.ipp.pt

um Abraço
António



As Minhas Asas (1884?)

Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.

— Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
— Veio a ambição, co'as grandezas,
Vinham para mas cortar,
Davam-me poder e glória;
Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
— Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.

Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!

— Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Pena a pena me caíram...
Nunca mais voei ao céu.