quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O Caso Judaico

“O Mercador de Veneza”, peça de Shakespeare, retrata uma relação intemporal: os ‘judeus’ e os ‘cristãos’. Escrita numa altura de descriminação dos seguidores da fé judaica, tenta acentuar, às vezes de forma exagerada, preconceitos. E assim surge esta mecânica singular de António e Shylock.
António, homem de “bem” e cristão, comerciante e possuidor de uma relativamente pequena frota de navios de comércio, quase que inicia a história com um estereótipo da sociedade: o empréstimo de uma soma considerável de dinheiro a um judeu de grandes posses e, aparentemente, sem coração. O conflito estava traçado. Um desastre catapulta António para uma situação de que não se consegue desviar: a impossibilidade de realizar o pagamento da “mensalidade” exigida pelo ‘judeu’. Este por sua vez demanda justiça e recorre ao tribunal, exigindo o cumprimento do vínculo: meio quilo de carne do peito do ‘cristão’. Muitas pessoas interpretam isto como um acto de falta de humanidade e de compaixão, mas, na minha opinião, o ‘judeu’ apenas actua como par acção-reacção. É já de mera cultura geral que, desde as origens, estas duas ‘crenças’ se envolvem em conflitos constantes (o que se prova até após o tempo de Shakespeare), e tem de se ter em mente o quanto os da religião judaica sofriam nesta mesma época: eram expulsos das suas propriedades e das suas terras; não lhes eram permitidos quaisquer empregos de carácter vulgar (até que a única actividade possível fosse apenas a de emprestar dinheiro a juros); eram tratados como seres inferiores e até como ‘cães’ (como Shylock refere), … E quase como “cães raivosos” ficaram. O ‘judeu’, tendo em retrospectiva todos os momentos “negros” da história passada da sua “infame religião”, actuou com ódio, é um facto, mas com o ódio que os cristãos inspiraram num homem cujos tormentos ultrapassam limites físicos.
É quase evidente que a peça acaba com o tão necessário “amor cristão” ou a “perseverança do amor”, embora Shylock acabasse na miséria, perdendo a filha e a sua fortuna, sendo até obrigado a converter-se ao Cristianismo; isto devido à manipulação de factos jurídicos no mencionado julgamento. Toda esta situação só demonstra a falta de compaixão e piedade por parte dos cristãos de “boa fé”. E assim os conflitos prolongam-se até um futuro próximo. Porque não se pode pedir um coração a quem nunca o viu…

Gabriel António - nº9, 10E

1 comentário:

Anónimo disse...

O Teatro é uma grande Escola! Que prazer sentir como uma peça de Shakespeare, "O Mercador de Veneza", suscitou leituras diversas, reflexo da capacidade crítica destes ´'actores' que se formam na Escola de Garrett... É o despontar de 'gente' grande! Parafraseando o Poeta..."o melhor do mundo são"...os nossos Alunos.