sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Homem discreto

Nos dias de hoje, ouvimo-las com frequência em qualquer local público. Refiro-me às conversas que escutamos quase sempre que entramos num transporte público. É daí que provém muitas vezes o nosso conhecimento sobre as dificuldades existentes na nossa sociedade. Presentemente, e cada vez com mais frequência, assistimos a episódios dramáticos no quotidiano. Os mais relevantes têm como personagem principal a classe média, que vai decaindo lentamente. Neste fenómeno, sobressai o rico e o pobre, tão simples como o preto e o branco, sem cinzento no meio. É esta a ideia que temos da nossa sociedade neste preciso momento.
Na passada terça-feira, debaixo de um céu arrepiante e nuvens ameaçadoras, eu viajava de autocarro, a caminho de S. Bento, para reencontrar velhos amigos. Então, deparei-me com um senhor alto e bem vestido, só que algo nele não estava bem. Pessoa discreta, continha, bem dentro de si, um enorme mutismo absoluto. Embora vestido formalmente, qualquer pessoa conseguia reparar na sua expressão facial mesmo sem grandes detalhes. Uma expressão de desgosto perante a vida. Ao seu lado, um velho muito velho, falava dos seus tempos, quando se tornou adulto (época salazarista, obviamente). Não repetia, nada mais nada menos que: “Volta Salazar, tu levaste-nos ao auge económico e agora é só bastardos a estragar aquilo que tu fizeste.” Certamente, já não se lembrava bem da ditadura salazarista e daquela ‘senhora’ que não gostava nada que falassem do governo. A PIDE, sim, a PIDE.
Perto de S. Bento, reparei num pormenor tão interessante que eu ainda não tinha conseguido alcançar. Logicamente que eu não era o único a estar saturado de ouvir o velho e, aí, olhei. Enquanto ele ia falando, com fúria, da Política e da Justiça, o senhor discreto assobiava levemente, conseguindo tapar os seus ouvidos e, graças a Deus, os meus também! O pobre homem durante toda a viagem (e conversa do velho) ia assobiando e olhando para a janela. Passaram-se vinte minutos e o autocarro estacionou em S. Bento.
Ninguém tinha chegado. A cena presenciada voltou a ocupar o meu espírito. Como é possível, numa viagem de 20 minutos, ouvir as palavras do velho e, com um simples assobio, afastá-las de si mesmo?
Ultimamente, nada tem estado fácil, até pelo contrário, tudo tem estado difícil. As pessoas vivem na mais pura das misérias. Algumas. Outras fecham-se em copas como se tudo estivesse absolutamente normal. Zelo para que, nos próximos anos, alguém ponha a vista em cima deste ‘grande’ país e, como José Manuel dos Santos escreveu na sua crónica, “limpe o sarampo” a algumas pessoas que vagueiam por aí.


Pedro Borges, nº25, 10ºI

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